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18 / abr / 2020
UFMG atualiza protocolos para aumentar segurança de testes de coronavírus

Amostras de pacientes não sintomáticos para Covid-19, mas com possível baixa carga viral, vão passar por dois diferentes tipos de testes

Laboratórios da UFMG vão passar a submeter amostras de pacientes não sintomáticos para Covid-19, mas com possível baixa carga viral, a pelo menos dois outros diferentes tipos de testes moleculares, que detectam a presença do RNA (ácido ribonucleico) do vírus, com o objetivo de aumentar a confiabilidade dos exames de detecção do novo coronavírus e minimizar a possibilidade de ocorrência de falsos-positivos e falsos-negativos.

A atualização dos procedimentos visa aprimorar os protocolos do CDC (Centers for Disease Control and Prevention), departamento dos Estados Unidos para controle e prevenção de doenças, cuja metodologia é mundialmente utilizada e foi adotada pelos laboratórios da UFMG. A equipe mineira identificou uma discrepância nos protocolos americanos  –  que está sendo discutida e compartilhada com outros centros de pesquisa que adotaram a mesma  metodologia  –, mas informou que tal discrepância não é capaz de provocar distorções significativas no quadro de diagnóstico para a doença no Brasil. A mudança foi anunciada pelos laboratórios da UFMG na última quarta-feira, 15.

A atualização dos procedimentos visa aprimorar os protocolos do departamento norte-americano para controle e prevenção de doenças. Foto: Marcílio Lana/Cedecom UFMG

“Essa incongruência só ocorre na testagem de pacientes não sintomáticos, sendo que, no Brasil, devido à falta de testes, essas pessoas nem estão sendo testadas. Nossa estimativa é de que haja uma quantidade muito maior de casos de pessoas infectadas do que o poder público tem sido capaz de identificar”, explica um dos coordenadores do CTVacinas e integrante do Comitê Permanente de Enfrentamento ao Coronavírus, o virologista Flávio Fonseca. Segundo o professor e pesquisador, “é importante destacar que divergências protocolares, como as verificadas nesse episódio, não constituem erro metodológico, mas atualizações que fazem parte do processo científico”.

A incongruência começou a ser identificada nesta semana pela comunidade internacional e, na UFMG, foi percebida devido à decisão do Hospital Risoleta Tolentino Neves, um dos centros de referência para o coronavírus na capital mineira, de submeter à testagem rotineira todos os servidores envolvidos no atendimento a pacientes confirmados (os chamados “contatos” de coronavírus) à testagem, mesmo que não tivessem qualquer sintoma da doença. Até então, apenas pacientes e funcionários que apresentavam sintomas clínicos eram testados, mas o hospital resolveu aumentar a testagem para “garantir aos nossos trabalhadores maior segurança”, explica a diretora do Risoleta, Alzira Jorge.

Ao aumentar a base de funcionários testados, os resultados chegaram a quase 90% de amostras com resultados positivos, o que intrigou os pesquisadores em relação aos dados anteriores (de menos de 5% de confirmação para a infecção). “Quase ao mesmo tempo, a revista Nature publicava um artigo em que alertava que o CDC, entre outros motivos, por ter estabelecido um parâmetro de corte muito elevado, abriria margem para os falsos-positivos. Imediatamente, fizemos contato com colegas da comunidade de virologistas, como do Laboratório de Virologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), também integrante da Rede Nacional de Enfrentamento ao Coronavírus, e do Instituto Pasteur, na França. E todos estavam percebendo essa distorção”, explica Flávio Fonseca.

O CDC foi um dos primeiros institutos a disponibilizar para a comunidade internacional o protocolo de testagem para o Sars-Cov-2, causador da Covid-19. A possibilidade de rápido acesso e a reconhecida expertise do instituto no manejo de pandemias levaram laboratórios de todo o mundo e os da UFMG a adotar a metodologia para detecção da doença. Além desse protocolo, a Organização Mundial de Saúde (OMS) avaliza outros tipos de metodologias, entre elas a Charité-Berlim, utilizada, por exemplo, pela Fundação Ezequiel Dias (Funed), que também utiliza o CDC.

Divergências protocolares nos testes de diagnóstico não constituem erro metodológico, mas atualizações que fazem parte do processo científico
Divergências protocolares nos testes de diagnóstico não constituem erro metodológico, mas atualizações que fazem parte do processo científico. Foto: Marcílio Lana

O protocolo CDC busca observar a presença de RNA do novo vírus (por reação de PCR – Polymerase Chain Reaction, Reação em Cadeia da Polimerase – RCP, em português) em amostras humanas após submissão delas a até 40 ciclos de amplificação da presença do vírus. Quanto maior a carga viral da amostra, menor o número necessário de ciclos para confirmar a presença da infecção. Por considerar que chegar a 40 ciclos poderia reduzir a especificidade do teste, e também para aumentar a segurança do resultado, os pesquisadores da UFMG já haviam decidido considerar como positivos apenas os resultados que detectassem a presença de RNA viral com número de ciclos de amplificação menor ou igual a 35.

Enquanto o Hospital Risoleta Neves encaminhava para a testagem apenas materiais de pacientes que já apresentavam um quadro mais grave da doença, o protocolo funcionou muito bem. “Quando essa base foi ampliada, passamos a ter um número bem maior de supostos infectados. Repetimos os testes, e eles continuavam dando positivo. Apenas depois que liberamos esses resultados para o hospital, indicando que haveria 50 funcionários infectados, começamos a receber de colegas estudos científicos em pre-print [ainda não avaliados por pares, portanto, não publicados por revistas científicas] que indicavam a possibilidade de falsos-positivos também entre 30 e 35 ciclos de amplificação”, explica Flávio Fonseca.

O CT Vacinas e o Hospital Risoleta Tolentino Neves divulgaram, ontem, uma nota conjunta para esclarecer a situação.

Risoleta Neves
Mesmo compreendendo que a clínica dos servidores era incompatível com os resultados positivos para coronavírus, a direção do Hospital Risoleta Neves decidiu, então, afastar todos e tomar as medidas necessárias para a profilaxia.

“Temos um Plano de Contingência para atuação na epidemia junto aos pacientes e trabalhadores, adotado há um mês, e fazemos a separação do fluxo de atendimento de doentes e funcionários com sintomas respiratórios do restante de outras queixas e condições para o Centro de Atendimento Covid, implantado para essa finalidade. Além disso, adquirimos equipamentos de proteção individual (EPIs), que são disponibilizados a todos os trabalhadores, incluindo os administrativos, garantindo também orientações contínuas sobre todo o cuidado e segurança para usuários e funcionários”, explica a diretora do hospital.

Ao mesmo tempo, esses laboratórios da UFMG passaram a submeter os resultados pelo método CDC que estavam na faixa suspeita a outras duas metodologias de análise: Charité-Berlim e Thermo Scientific. Dessa maneira, novos resultados para o conjunto de funcionários do Hospital Risoleta Neves devem ser divulgados até esta sexta-feira (17). “Será importante ter esses novos resultados o mais prontamente possível para que não reste dúvida sobre as possibilidades e condições de trabalho no Risoleta Neves “, explica Alzira Jorge.

Diretoria do Risoleta afirma que preocupação com as condições de trabalho dos profissionais do hospital é permanente
Diretoria do Risoleta afirma que preocupação com as condições de trabalho dos profissionais do hospital é permanente. Foto: arquivo Risoleta Neves

Segundo a diretora, “a divulgação dos diagnósticos iniciais, em um primeiro momento, pode ter gerado repercussão negativa porque vivemos todos um clima de grande tensão, e os profissionais de saúde, com razão, estão muito apreensivos quanto às suas condições de trabalho. Essa é também a nossa preocupação, mas estamos convencidos de que a situação será esclarecida com as contraprovas”.

Segurança nos testes e novas pesquisas
Para realizar novos testes, tanto para o Risoleta Neves quanto para outros hospitais que demandam o apoio da UFMG para diagnóstico, os laboratórios vão continuar mantendo o protocolo CDC para a faixa de segurança (até 30 amplificações) e vão conjugar os resultados da faixa entre 30 e 35 amplificações com outros métodos. Os pesquisadores asseguram que esse aspecto do protocolo CDC não invalida o teste em si, que tem como vantagens a facilidade de operação e o custo, além da impossibilidade de erros nos resultados negativos (ou seja, há segurança de, que se um resultado for negativo, a amostra não contém o vírus). “Obviamente queremos resultados os mais exatos possível, mas há sempre um limite de interpretação de resultados numa zona cinza. Em medicina, isso é relativamente comum”, explica Flávio Fonseca.

Além de adaptar os protocolos, contribuindo assim para que centros de testagem de todo o país também se orientem por parâmetros mais adequados, os pesquisadores da UFMG começam a vislumbrar novas perspectivas de pesquisa que podem levar a mais conhecimento produzido sobre o novo coronavírus.

Uma das hipóteses levantadas para o grande número de resultados falso-positivos seria o resultado cruzado com outros vírus sazonais típicos desta época do ano, como o de um resfriado comum. “Este é um indicativo interessante, mas não temos qualquer dado científico que comprove isso ainda”, esclarece Flávio Fonseca.

Objetivo da Universidade é aprimorar os testes e contribuir para que centros de testagem de todo o País também se orientem por parâmetros mais adequados
Objetivo da Universidade é aprimorar os testes e contribuir para que centros de testagem de todo o País também se orientem por parâmetros mais adequados. Foto: Marcílio Lana

Com esta preocupação, o grupo de pesquisadores está se organizando para fazer o sequenciamento genético das amostras que forem consideradas falsos-positivos, de modo a tentar identificar a presença de outros vírus que possam estar atuando para o resultado cruzado. “Essa discussão foi iniciada em grupos internacionais importantes, como o Instituto Pasteur da França. É uma suspeita que não pode ser menosprezada, mas ainda não há indicação científica para sustentá-la. Seguimos trabalhando”, afirma.