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17 / set / 2018
Sementes crioulas: agricultores participam de trocas de saberes e vivências em evento no ICA

Seminário de Produção de Sementes Agroecológicas foi realizado na última semana no campus da UFMG em Montes Claros

O evento reuniu agricultores, estudantes, professores e técnicos para debates e oficinas sobre as sementes agroecológicas. Foto: Amanda Lelis/UFMG

Na última semana, o Instituto de Ciências Agrárias (ICA), campus regional da UFMG em Montes Claros, recebeu agricultores do município de Turmalina, Minas Gerais, para o Seminário Produção de Sementes Agroecológicas. Durante dois dias de evento, foram realizadas oficinas, debates e visita técnica à Fazenda Experimental Professor Hamilton de Abreu Navarro, no campus da universidade.

O evento foi realizado nos dias 11 e 12 de setembro e contou com dois momentos, no primeiro dia foram concentradas atividades sobre armazenamento, estratégias de conservação, tratamentos agroecológicos de sementes e, no segundo, os agricultores vivenciaram a prática. Em visita técnica, foi a apresentado o projeto de pesquisa com foco na multiplicação e conservação de sementes de feijão fava. No campus, são multiplicadas e caracterizadas 15 variedades da semente de fava. Após a visita em campo, os agricultores participaram de oficinas que contemplaram o processamento das sementes, desde a colheita, a extração do fruto, a retirada de mucilagem, a secagem, até o tratamento e o armazenamento da semente e de controle da qualidade na produção de sementes agroecológicas. “A semente gera esse movimento, ela é veículo de conhecimento, de criatividade, de comunhão e de cultura. Nas sementes crioulas existe uma transmissão de geração para geração, acontece na família, dentro da comunidade. Essa semente traz uma história e traz também toda uma adaptação com o local onde ela é produzida, o DNA da família está impregnado no DNA daquela semente”, comentou o professor Delacyr Brandão, um dos organizadores do encontro.

Além dos cerca de 30 agricultores vinculados ao Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica (CAV), também participaram do evento sete jovens da Escola Família Agrícola de Veredinha. Clebson Souza de Almeida, que é colaborador no CAV, ressaltou a oportunidade de troca de saberes entre agricultores experientes que trabalham na região com os estudantes, técnicos e professores da universidade. “O principal da discussão das sementes crioulas é a liberdade. Ter autonomia para plantar e colher, saber o que se está colhendo, com saúde. Um agricultor que tem 50 anos trabalhando na roça e 30 anos trabalhando com uma variedade de semente, sabe o que é melhor e o que é pior para aquela produção. Podemos pegar a semente e levar para um banco germoplasma, por exemplo, mas não conseguimos levar o conhecimento. Esse momento de troca é para fortalecer o conhecimento, na intenção de também fortalecer essas redes”, reforçou.

Uma das oficinas foi sobre a produção orgânica de hortaliças, com professor Cândido da Costa. Foto: Amanda Lelis/UFMG

Protagonismo camponês

O professor do ICA, Eduardo Magalhães, ressaltou o protagonismo camponês e dos movimentos sociais ao levantar o debate a favor da conservação e da multiplicação das sementes crioulas. Esta reflexão surge sob a perspectiva de que as sementes trazem consigo uma ideia de identidade, de afirmação cultural, de pertencimento e da solidariedade camponesa, reforçando o discurso contra um modelo homogeneizado de agricultura.

“Na medida em que se debate sobre as sementes, se debate também sobre a autonomia camponesa e se pensa também em outras alternativas de organização da sociedade e da produção. E, de outro lado, está a ideia de resistência. Temos uma tendência dominante de mercado, mas os camponeses podem insurgir a isso e criar movimentos autônomos de conservação de biodiversidade”, comentou Eduardo.

O professor explica que o movimento de camponeses por sementes surgiu na América Latina como uma reação à Revolução Verde, na década de 1980. Com o surgimento de espécies híbridas de alto rendimento, a iniciativa começou a ser estimulada no Brasil pela Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (Fase), liderada por Herbert de Souza, conhecido como Betinho, com lutas pela soberania e segurança alimentar. De acordo com o professor, “a proposta era que as comunidades camponesas se dispusessem dos seus próprios estoques autônomos de sementes de forma a não precisarem recorrer ao ‘pacote agrícola’ que era oferecido pelo mercado”.

Os professores Delacyr Brandão (esquerda) e Eduardo Magalhães (direita) acompanham uma das oficinas com os agricultores. Foto: Amanda Lelis/UFMG

O evento promovido no ICA é um esforço de fortalecer a autonomia camponesa na produção de sementes e, principalmente, de variedades importantes para esses agricultores. “Quanto maior o estoque de sementes que cada agricultor dispõe e quanto maior a circulação de sementes entre eles, maior a autonomia e a capacidade de produzir por conta própria sem necessariamente passar por grandes corporações que monopolizam as sementes, que determinam o processo de plantio, combinam as sementes com os defensivos, de maneira a formar um pacote que restringe as possibilidades de produção do agricultor”, completou Eduardo.

Valdir Gonçalves de Castro, é um dos agricultores familiares que participou do Seminário. Valdir possui o certificado de produção orgânica e é presidente da Associação dos Agricultores Familiares Feirantes de Turmalina. “Preservando as sementes crioulas, a gente está preservando a cultura dos nossos antepassados. A semente crioula é adaptada na região, temos muito mais condição de ter uma produção melhor, não tem grande risco de pragas e doenças da região e não necessita de produtos como as outras sementes exigem”, relatou.

Agricultores como Valdir são considerados “guardiões da agrobiodiversidade”, pelo importante papel desempenhado na promoção da conservação de variedades de sementes crioulas e no compartilhamento de conhecimento tradicional sobre elas. “Essa conservação acontece porque existem agricultores que desenvolvem esse trabalho de multiplicação dessas sementes e não deixam essas sementes morrerem, denominados guardiões da agrobiodiversidade”, defendeu o professor Delacyr.

 

Valdir Gonçalves de Castro (esquerda): Preservando as sementes crioulas, a gente está preservando a cultura dos nossos antepassados. Foto: Amanda Lelis/UFMG

O evento foi organizado pelo Núcleo de Desenvolvimento em Produção e Tecnologia de Sementes do ICA (Sementec), o Núcleo de Estudos em Agroecologia do Semiárido Mineiro (Neasa) e o Núcleo de Pesquisa e Apoio à Agricultura Familiar Justino Obers (NPPJ). O Seminário aconteceu com o envolvimento do Programa de Extensão Produção de Sementes Agroecológicas e do Projeto Nexus Água-Energia-Alimento, financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNpQ).