Pesquisadores da UFMG participaram do sequenciamento de 427 genomas do Sars-CoV-2, que resultou na geração do maior conjunto de dados genômicos da América Latina
Mesmo prejudicadas pelos discursos políticos negacionistas, as medidas de isolamento social adotadas no Brasil, como a implementação do trabalho remoto e o fechamento do comércio e das escolas, ajudaram a reduzir pela metade a taxa de transmissão do novo coronavírus no Rio de Janeiro e em São Paulo. É o que indica o estudo multinacional Evolution and epidemic spread of Sars-CoV-2 in Brazil (Evolução e disseminação epidêmica da Sars-CoV-2 no Brasil), que foi publicado na última quinta-feira, dia 23, na Science.
O estudo envolveu uma força-tarefa formada por dezenas de pesquisadores de 15 instituições brasileiras – entre elas a UFMG – e de vários centros europeus, que chegaram a essas conclusões por meio do processamento dos dados genéticos dos vírus que têm circulado no Brasil desde o início da pandemia, em um modelo de transmissão orientado à mobilidade. Os pesquisadores combinaram dados genômicos, de mobilidade e epidemiológicos para entender como se deu a transmissão do Sars-CoV-2 no Brasil.
O trabalho realizado pelos pesquisadores foi volumoso. Para chegar aos 427 genomas do novo coronavírus sequenciados no estudo, construindo este que já é o maior conjunto de dados genômicos da América Latina – e um dos maiores do mundo –, os pesquisadores analisaram, em apenas dois meses (março e abril), 26.732 amostras coletadas em 85 cidades de mais de 20 estados brasileiros, usando ensaios de PCR em tempo real, para então chegar ao montante de 7.944 amostras contaminadas.
Os resultados alcançados dizem não apenas do passado, mas também do futuro. No estudo, os pesquisadores sugerem que, caso a recente “mudança na mobilidade” – ou seja, o crescente abandono do isolamento social no país –não seja controlada e revertida, o índice de transmissão do vírus no Brasil deve voltar a crescer, colaborando para o aumento da saturação da estrutura hospitalar disponível e a ocorrência de mais contaminações e mortes.
Movimento centro-periferia: chave da propagação
No estudo, os pesquisadores perceberam que, nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, a taxa de transmissão do Sars-CoV-2 caiu de 3, índice estimado para um contexto social brasileiro comum, para 1,6. Isso significa que, se nenhuma medida de isolamento social tivesse sido tomada, cada pessoa contaminada teria infectado algo em torno de 3 pessoas. Com o fechamento de escolas e do comércio, entre outras medidas, cada pessoa contaminada infectou 1,6 pessoa.
No artigo, o grupo de cientistas afirma que suas descobertas “enfatizam o papel da mobilidade dentro e entre os estados como fator-chave da propagação local e inter-regional do vírus” e que “as áreas urbanas altamente povoadas e bem conectadas da região Sudeste atuaram como as principais fontes de circulação do vírus dentro do país”.
Na conclusão do estudo, os pesquisadores indicam que, para frear o aumento do número de casos e mortes no país, é preciso implementar sistemas de “triagem diagnóstica rápida e acessível”, protocolos de quarentena para os novos contaminados, de rastreamento dos contatos que essas pessoas tiveram durante o período de contaminação e, sobretudo, intensificar as “medidas de distanciamento social em todo o país”, de modo que, para que a epidemia seja controlada, um índice de 1,6 de transmissão caia para menos de 1. “Este estudo fornece evidências de que as intervenções atuais permanecem insuficientes para manter a transmissão do vírus sob controle no país”, alertam os pesquisadores.
O professor Renato Santana de Aguiar, do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), coordenou o estudo no âmbito da UFMG. Além dele, mais sete pesquisadores da comunidade acadêmica da Universidade trabalharam na pesquisa: os professores Cristiano Xavier Lima, da Faculdade de Medicina, Mauro Martins Teixeira e Renan Pedra de Souza, do ICB, e os pesquisadores Camila Zolini de Sá, Jôsy Hubner de Souza, Luciana Cunha Resende Moreira e Rennan Garcias Moreira, todos do ICB.