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18 / abr / 2020
Entidades defendem soberania e segurança alimentar de populações vulneráveis

UFMG é uma das 18 signatárias de documento que propõe ações para reduzir os prejuízos causados pela pandemia e valorizar o potencial produtivo e cultural do Norte de Minas

Sementes crioulas de produtos cultivados no Norte de Minas por agricultores familiares. Foto: Amanda Lelis / UFMG

As desigualdades sociais e econômicas estão entre os principais desafios que se apresentam ao combate à transmissão da Covid-19 e à mensuração dos impactos após o pico da pandemia. Em função das particularidades históricas e econômicas, o norte de Minas Gerais concentrará parte dos efeitos severos da crise provocada pela propagação da doença. É o que aponta o documento Soberania e segurança alimentar e nutricional no contexto da crise desencadeada pela Covid-19, assinado conjuntamente por 18 entidades.

O material reúne uma série de medidas, como a proposta de diálogo com os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, para a construção de um plano de ação com participação social. O foco do documento é a defesa da segurança alimentar e nutricional e dos direitos territoriais e culturais das populações da região, com destaque para suas potencialidades.

De acordo com o professor Helder dos Anjos Augusto, do Instituto de Ciências Agrárias da UFMG, a ação cumpre papel importante no contexto atual de enfraquecimento de políticas públicas voltadas à garantia de direitos sociais e ambientais. “O documento reflete a conexão de iniciativas locais para a promoção de debates entre sociedade civil organizada, comunidades cientificas e poder público. E, consequentemente, espelha a promoção ao incentivo ao desenvolvimento social, econômico e ambiental da região norte- mineira”, afirma Helder

Conforme informa o texto, dados do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) indicam que 85% dos estabelecimentos de agropecuária na região pertencem a agricultores familiares. O norte de Minas também agrega quase 100 assentamentos rurais da reforma agrária, povos indígenas de duas etnias, mais de 200 comunidades quilombolas, além de outras comunidades tradicionais, como as vazanteiras e pesqueiras, as geraizeiras, as veredeiras, as catingueiras e as de apanhadoras de flores, nas proximidades de Diamantina. As entidades destacam o importante papel desses grupos na produção de alimentos para o consumo próprio e para o abastecimento regional e nacional.

A UFMG é uma das signatárias da carta, por meio de grupos de pesquisas e programas de pós-graduação, a Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), movimentos sociais e organizações da sociedade civil. As entidades estão reunidas no Fórum de Desenvolvimento Sustentável do Norte de Minas.

A Universidade oferece subsídios para a reflexão de estratégias às demandas sociais, com base no conhecimento desenvolvido nas atividades de ensino, pesquisa e extensão, conforme afirma Helder dos Anjos. “A UFMG cumpre o papel de facilitador no desenvolvimento de informações técnico-científicos importantes para a tomada de decisões dos poderes públicos, municipal, estadual e federal”.

Apresentação de batuque da comunidade quilombola de Buriti do Meio, em São Francisco. Foto: Amanda Lelis / UFMG

Contraponto ao desenvolvimento predatório
Instituído em 1997, o Fórum exerceu à época forte influência na articulação de debates críticos em torno da proposta de desenvolvimento econômico vigente para a região. Suas propostas ofereciam um contraponto ao modelo imposto ao Norte de Minas, que valorizava a implantação de grandes projetos de agricultura irrigada, de monocultura de eucalipto em larga escala, entre outros que estimulavam o crescimento econômico, relegando o bem-estar social e a conservação ambiental a segundo plano.

“Durante décadas, as organizações que participam do Fórum articularam discussões, formularam propostas de políticas publicas e buscaram apoio para implementação de projetos sustentáveis de acesso à terra, de fortalecimento da agricultura familiar como produtora de alimentos saudáveis e em defesa de princípios da agroecologia e da convivência com o semiárido”, explica a professora Cláudia Luz de Oliveira, da Unimontes e coordenadora do Núcleo Interdisciplinar de Investigação Socioambiental (NIISA).

A retomada das discussões do Fórum no contexto da pandemia da Covid-19 vai ao encontro do posicionamento de organizações nacionais que defendem a elaboração de um modelo sustentável capaz de aproveitar e valorizar as potencialidades locais, levando em consideração o histórico social, as particularidades culturais e territoriais das populações e o conhecimento ancestral vinculado à produção de alimentos.

Segundo Cláudia Luz, o documento procurou enfatizar o potencial desses grupos sociais como produtores de alimentos saudáveis. “Eles prestam um serviço fundamental para a saúde da população que vai muito além da nossa região. Mas, para que isso continue, é preciso que as condições e os direitos sejam garantidos. E as politicas públicas precisam apoiar esses grupos para que possam, de fato, transformar todo esse potencial em realidade”, defende a professora da Unimontes.

Ações
O sociólogo e professor da Unimontes Daniel Coelho de Oliveira comenta que a crise provocada pela doença evidencia a necessidade de proporcionar condições de manutenção da segurança alimentar e nutricional, em especial para as populações mais vulneráveis. “Por isso, o documento propositivo alerta gestores municipais, estaduais e federais para a importância de se criar políticas públicas emergenciais frente aos efeitos da pandemia da Covid-19”, comentou.

O documento assinado pelas 18 entidades sugere ações emergenciais e projeta possíveis consequências para essas populações após o fim da pandemia. Entre os pontos defendidos está a reorganização de sistemas de produção e o uso de produtos da agricultura familiar para abastecer municípios e o próprio estado de Minas Gerais. “A Covid-19 agrava um processo de desestruturação de políticas públicas que já vinha impactando fortemente os agricultores familiares, os povos e comunidades tradicionais e toda essa população que caracterizamos como vulneráveis. São elas, principalmente, que sofrerão mais fortemente os impactos dessa crise”, sustenta Cláudia Luz de Oliveira.

O texto foi elaborado com colaboração das entidades nos temas em que são especializadas e reflete a diversidade de experiências e saberes reunida no Fórum. De acordo com a professora Cláudia Luz, o material será amplamente divulgado, com a intenção de estimular a formulação de políticas e para servir de referência para atuação de grupos de pesquisa e de outras organizações na implementação de projetos de apoio ao setor.

O documento foi encaminhado para a Comissão Estadual dos Povos e Comunidades Tradicionais, vinculada à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social, para a presidência da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais, para o Conselho Estadual de Desenvolvimento Rural Sustentável, vinculado à Secretaria Estadual de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, para o Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, entre outras organizações.