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24 / jan / 2020
Autonomia universitária mudou a cara da UFMG

Princípio é o sustentáculo das iniciativas de democratização do acesso ao ensino e da pluralidade de saberes

Cortejo indígena durante encontro da 69ª Reunião Anual da SBPC, realizada em julho de 2017 na UFMG. Foto: Bruna Brandão / UFMG

Em agosto do ano passado, uma notícia há muito esperada trouxe um estímulo para a coordenação da Formação Transversal em Saberes Tradicionais da UFMG: a aprovação, pelo Conselho de Pesquisa, Ensino e Extensão (Cepe), da resolução que concede notório saber aos mestres e mestras das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras.

“Esse título gera equivalência, uma simetria entre os conhecimentos tradicionais e os acadêmicos”, resume o professor César Guimarães, do Departamento de Comunicação Social coordenador geral da formação transversal. Com o notório saber, mestres e mestras dos saberes populares se equiparam a doutores, podendo inclusive atuar como docentes ou avaliadores em bancas examinadoras.

A conquista desse antigo desejo, considerado um “gesto descolonizador” por César Guimarães, é reflexo do exercício da autonomia didático-científica no âmbito da instituição. De acordo com a professora Benigna Oliveira, pró-reitora de Graduação, esse princípio possibilita que a Universidade defina o perfil do egresso que deseja formar, contribuindo para uma formação ampla, ética e cidadã. “Assim, a Universidade pode criar os seus próprios mecanismos para viabilizar isso”, explica.

Para Benigna, o título de Notório Saber atua para a democratização da produção do próprio conhecimento

Aula “Cinema e pensamento xavante” com o cineasta Divino Tserewahú (à esquerda) Saberes Tradicionais/Divulgação

Primeira entre as atuais nove formações transversais da UFMG, Saberes Tradicionais começou oficialmente em 2015 e trouxe, desde então, cerca de 60 mestres e mestras de culturas diversas para o ambiente acadêmico. Os encontros, longe do formato usual das aulas expositivas, ocorrem entre estudantes de graduação e pós-graduação de diferentes cursos, docentes de diferentes departamentos, e até membros externos à comunidade universitária.

Estima-se que mais de cinco mil estudantes já passaram por alguma dessas formações, que envolveram 37 departamentos diferentes e 18 unidades acadêmicas. Pioneiro no país, o modelo representa, para Benigna Oliveira, um avanço no modo de se planejar a educação universitária.

Autonomia para realizar

A liberdade para formular e regulamentar políticas acadêmicas foi fundamental para dar cara à Universidade de hoje, seja no planejamento de políticas e metodologias para modernizar e diversificar o ensino, seja na gradual transformação do perfil das pessoas que se formavam na universidade pública.

Um exemplo dessa guinada foi o Programa de Bônus, precursor da política de cotas. Lançado em 2009, oferecia um aumento proporcional nas notas do então vestibular da UFMG: 10% para os candidatos provenientes de escolas públicas e 15% para aqueles que, dentro dessa amostra, se autodeclaravam pretos e pardos.

“O Vestibular podia ser comparado a uma prova de 100 metros, em que um atleta parte da marca 50 e outro da marca zero”, reflete o professor Mauro Braga, hoje aposentado, que foi pró-reitor de Graduação da UFMG de 2006 a 2010.

Um dos responsáveis pela criação do Programa de Bônus, Braga explica como a iniciativa contribuiu para o acesso de uma camada da sociedade que até então não estava no ensino superior. “Eu queria trabalhar com alguma coisa que fosse um pouquinho diferente [da atual política de cotas]. Que, por um lado, não separasse a concorrência e, por outro, prestigiasse aquela pessoa que tinha se dedicado mais”, explica.

Mauro Braga: pró-reitor de Graduação na época do Bônus e do Reuni

Braga: pró-reitor na época do Bônus e do Reuni. Foto: Gabriel Araújo / UFMG

Após a adoção do Bônus, o percentual de candidatos e candidatas que se autodeclararam negros aprovados nos vestibulares da UFMG cresceu 17%, como indica artigo de Aranha, Pena e Ribeiro. Negros e negras representaram quase a metade dos aprovados nos vestibulares de 2010, 2011 e 2012, proporção que nem mesmo a política de cotas promoveu em seus anos iniciais.

Contudo, como ressalta Mauro Braga, esse aumento deve ser analisado no contexto do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), que criou 1.236 vagas no vestibular de 2009 e mais de 650 no de 2010.

“O Reuni trouxe uma diversidade que a UFMG nunca tinha experimentado até então. Ela passou a acomodar, em quantidade muito maior, estudantes que vinham de camadas sociais bem desprestigiadas”, afirma Mauro Braga.

Garantia de avanços

Ao realizar uma avaliação retrospectiva, Mauro Braga enxerga acertos na gestão de que participou. Mesmo com algumas ressalvas à celeridade com o qual o programa Reuni foi implantado, reconhece que, sem ele, a Universidade teria muito mais dificuldades para enfrentar seus desafios contemporâneos.

O professor salienta que a UFMG teve sua autonomia preservada,  já que cabia a ela recusar ou aderir à proposta do governo federal. “Todas as instituições do sistema federal entraram no Reuni”, conta. “Se a UFMG ficasse de fora, nós provavelmente estaríamos hoje com muito menos alunos e, consequentemente, com muito menos professores. Seríamos uma universidade menos forte”, conjetura o professor.

[Nas próximas semanas, serão publicados conteúdos em textos, vídeos e áudios sobre vários aspectos que permeiam o tema da autonomia universitária: conceito, origens, evolução e ameaças no Brasil e no mundo.]